domingo, 23 de outubro de 2011

Nossa Língua.


Você é rica e pobre como nós.
Quando estamos tristes
você nos dá as palavras para chorar,
quando estamos contentes
você nos dá as palavras para nos alegrar
quando temos que nos esconder
você, nossa língua, nos ajuda.

Você viajou junto a nós
ao longo das estradas do mundo,
era o fogo das nossas canções,
e agora nestes terrenos insalubres
que os gagês nos reservam
você morre um pouco a cada dia, como nós.

Se te perdermos nós também estaremos perdidos.
Escutem, rapazes, escute, juventude,
os nossos velhos Sintos nos deixaram
esta bela e doce língua.
Não a esqueçamos,
ensinemos aos nossos filhos,
conservemos sempre conosco
como o único tesouro
que nos pertence.

Em romani Roraranô:



Kamáva tu
cib marí.
Tu sal bravalí ta cororí
sar jamén.
Kántu sam bibaxtalé
ménge tu déssa le láu par te rovás,
kántu sam kontán
ménge tu déssa le láu par te sas,
kántu si-amén bróxa te garavássa men
tu, cib marí, déssa ménge ne vast.

But pirdál ménca
pren sa le dromá do vélto,
sálas i jag da maré giljá,
ma kaná
andrén kalá džungalé pláse
kaj cidéna men le gadžé
tu meréssa ne písla óni divés,
sar jamén.

Se našavássa tu
nínge jamén sam našadé.
Šunén cavalé,
šun ternibén,
maré puré Sínti
mukjén-le ménge
kajá šukár, gulí cib.
Na bistarás la,
sikavás la kaj maré cavé,
indžarás la sémpar ménca
sar o kórkoro braválimo
ke si-amén.

Esta poesia foi escrita (em 1999) por Sergio Franzese, nascido em Torino (Turim), Itália no ano1958. no idioma dos Sintos Piemonteses, com os votos de que eles não se esqueçam da língua de seus pais. Infelizmente sei que se trata de votos tardios, já que o abandono da língua materna se constitui enfim num processo irreversível nesta fase histórica. No nosso mundo tomado pelo capitalismo e pelo consumismo, as pessoas aprendem línguas somente se estas lhes são úteis. Talvez seja necessário começar a entender que se pode aprender (ou reaprender) uma língua para servir a ela, para fazer com que ela não morra, mas continue a existir como uma parte importante da identidade de um povo...

Levantem-se Rons


Viajei ao longo de muitas estradas,
E encontrei Ciganos felizes.
Digam-me de onde vem
Com suas tendas
Nestas estradas do destino?
Oh, Rom,
Oh, jóvens Rom.
Eu também tinha uma grande família,
Mas a Legião Negra a exterminou;
Venham comigo, Rom do mundo inteiro,
Percorreremos novas estradas.
É hora, levantemo-nos,
É chegado o momento de agir. 
Oh, Rom,
Oh, jóvens Rom.

Em Romani:

Djelém djelém lungóne droméntsa,Maladilém baxtalé Rroméntsa.
Ah, Rromalé, katár tumén avén,
E tsahréntsa, baxtalé droméntsa.
Ah, Rromalé,
Ah, Chavalé.
Vi man sasí ekh barí famílija,
Mudardá la e Kalí Legíja;
Avén mántsa sa e lumnjátse Rromá
Kaj phutajlé e rromané droméntsa.
Áke vrjáma, ushtí Rromá akaná,
Amén xudása mishtó kaj kerása.
Ah, Rromalé,
Ah, Chavalé.


Autoria Desconhecida

Nascimento no acampamento




Nascí entre as velhas tendas,
em meio ao falar dos Ciganos
que narram à luz da lua
a fábula de uma branca cidade distante.

Nascí na miséria, entre os campos
ao longo do Beli Vit, sob plangentes salgueiros,
onde a angústia aperta os corações
e a fome pesa no saco de farinha.

Nascí num dia triste de outono
ao longo da estrada envolta em neblina,
onde a necessidade chora junto aos pequeninos
e a dor destila quente entre os cílios.

Nascí, e minha mãe morria.
O velho pai me lavou no rio:
por isso é forte hoje o meu corpo
e o sangue me escorre dentro impetuoso.


Usin Kerim, Cigano búlgaro nascido em 1929, durante uma parada da caravana às margens do rio Vit. A poesia a seguir faz parte de uma série de composições autobiográficas. Nesta ele narra o momento de seu nascimento, que coincide com a morte de sua mãe...

Liberdade



Nós Ciganos só temos uma religião: a liberdade.
Em troca dela renunciamos à riqueza, ao poder, à ciência e à sua glória.
Vivemos cada dia como se fosse o último.
Quando se morre, se deixa tudo: um miserável carroção ou um grande império.
E nós cremos que naquele momento é muito melhor termos sido Ciganos do que reis.
Não pensamos na morte. Não a tememos, eis tudo.
O nosso segrêdo está em gozar a cada dia as pequenas coisas
que a vida nos oferece e que os outros homens não sabem apreciar:
uma manhã de sol, um banho na nascente,
o olhar de alguém que nos ama.
É difícil entender estas coisas, eu sei. Ciganos se nasce.
Gostamos de caminhar sob as estrelas.
Contam-se coisas estranhas sobre os Ciganos.
Dizem que leem o futuro nas estrelas
e que possuem o filtro do amor.
As pessoas não creem nas coisas que não sabem explicar.
Nós, ao contrário, não procuramos explicar as coisas nas quais cremos.
A nossa é uma vida simples, primitiva.
Basta-nos ter o céu por telhado,
um fogo para nos aquecer
e as nossas canções, quando estamos tristes.

Spatzo (Vittorio Mayer Pasquale)
Spatzo na língua dos Sintos Estrekárja significa "passarinho, pardal", um apelido que nos traz aquele senso de liberdade frequentemente relembrada por este poeta que, no decorrer da sua vida, conheceu momentos de intenso sofrimento. Através de suas poesias, diante das adversidades da sorte, Spatzo demonstra que soube conservar intacta aquela alma cigana, feita de coisas símples e imediatas.

No vinho está a verdade (Ánde mol hi o chachipé)






No vinho está a verdade
e todas as minhas manhãs
toda a minha tristeza e a minha sorte
as minhas lágrimas, a minha riqueza,
os meus amores, a minha saúde.
Não tenho mais ninguém no mundo,
não tenho amigos,
me restou só a tenda,
os meus violinos quebrados,
os meus ventos matutinos.
Esqueci o tempo
em que estava sóbrio
a minha razão a levou o vinho.
Quando morrer
também estarei embriagado.
Para os outros não fica bem,
mas para mim está bem assim.

Em portugues:

Ánde mol hi o chachipé
i sa me tehariná
sa mi túga the mi bax,
me asvá, mo barvalipé,
mi ljubáv, mo sastipé.
Man víshe níko ináj po thém,
ináj ma amalá,
josh sámo achilá mi tsáhra,
me ichardé chemáne,
me teharináke bahvaljá.
Bistardém kaná trézno semá
mo razúm e mol lijá.
Kaná meráva, mató ka aváv.
Pála nikaté ináj shukár,
mánge hi shukár i gadijá.

Semso Avdic, Rom xoraxanó nascido em Banja Luka aos 11/2/1950, em uma família já sedentarizada.
Tornando-se adulto, Semso decidiu fechar para sempre a porta de casa e tornar-se novamente nômade, realizando assim um sonho que tinha desde menino.
Vive em perfeita coerência com a vida que escolheu, partilhando alegrias, ansiedades e dores com sua gente, mudando-se de país para país, sofrendo frequentemente as contrariedades e as humilhações que a sociedade dos gadjê impõe a quem vive de maneira diferente.
Vencedor do terceiro prêmio de poesia na edição de 1986 do concurso "Nosside"(Messina), exprime através de palavras simples sentimentos profundos e intensos.

Nascimento no acampamento


Nascí entre as velhas tendas,
em meio ao falar dos Ciganos
que narram à luz da lua
a fábula de uma branca cidade distante.

Nascí na miséria, entre os campos
ao longo do Beli Vit, sob plangentes salgueiros,
onde a angústia aperta os corações
e a fome pesa no saco de farinha.

Nascí num dia triste de outono
ao longo da estrada envolta em neblina,
onde a necessidade chora junto aos pequeninos
e a dor destila quente entre os cílios.

Nascí, e minha mãe morria.
O velho pai me lavou no rio:
por isso é forte hoje o meu corpo
e o sangue me escorre dentro impetuoso.


Usin Kerim, Cigano búlgaro nascido em 1929, durante uma parada da caravana às margens do rio Vit. A poesia a seguir faz parte de uma série de composições autobiográficas. Nesta ele narra o momento de seu nascimento, que coincide com a morte de sua mãe...

Uma trágica noite (Rac saví ni bistarav)







Dormia no meu carroção

quando ouvi alguém gritar,
levantei-me pronto para fugir
mas me chamaram por nome,
eram os policiais.
Via os meus meninos
a dormir docemente
peguei nos braços o menor
deixando sua caminha molhada,
precisava escapar? que fazer?
não era a primeira vez,
aquele pequenino não chorou
deitou-se entre meus braços
abriu as mãos
mas por medo
fez xixi na terra.
No coração senti então forte o peso
do destino dos Ciganos,
pela primeira vez blasfemei
por ter nascido azarado
e por ter nascido Cigano.


Em romani:

Sováv ánde mi kampína
ashunáv avrí, varéko galamí,
ushtilém sa chidén pe te ladén,
den ma muj po anáv
e pachardé tradén.
Dikháv me chavrrén
sar guglé sovén
e naj tsiknorré vazdáv
achilá lésko thán chingó,
morá te ladá? so te kerá?
ináj prvo drom, ni merá.
Ali gejá tsiknorró
ni asvín ni muklá
iziló ánde mi angáli
e vah phutardá
tála péste darátar o than mutardá.
An dji pharipé pelá mánge
e rroméski bax, akushlém prvo drom
kaj sem bijandó bibaxtaló
the kaj sem bijandó sar Rrom.

Semso Avdic, Rom xoraxanó nascido em Banja Luka aos 11/2/1950, em uma família já sedentarizada.
Tornando-se adulto, Semso decidiu fechar para sempre a porta de casa e tornar-se novamente nômade, realizando assim um sonho que tinha desde menino.
Vive em perfeita coerência com a vida que escolheu, partilhando alegrias, ansiedades e dores com sua gente, mudando-se de país para país, sofrendo frequentemente as contrariedades e as humilhações que a sociedade dos gadjê impõe a quem vive de maneira diferente.
Vencedor do terceiro prêmio de poesia na edição de 1986 do concurso "Nosside"(Messina), exprime através de palavras simples sentimentos profundos e intensos.

domingo, 16 de outubro de 2011

Embala-me nas asas de um belo sonho.




Embala-me nas asas de um belo sonho.
Beija-me amor meu... Cigano amado...
Funde teu olhar tristonho no meu risonho,
Leva-me em teu mágico corcel alado!

Faz-me tua brilhante estrela, tua nívea lua.
Nesta noite de fogueira, sedução e festa,
Ofereço minha pele alva, rósea e nua...
Girando, arrebatada e ardorosa sob a tua destra.

Bordando teu corpo na leveza dos meus dedos,
No mais alucinado, voraz e selvagem delírio,
Entre voluptosos abraços... Beijos sobre beijos,
Deste nosso tão desejado e encantado idílio.

Quero ser tua cigana... Tua bem-amada...
Me perder na tua boca macia e orvalhada,
Adormecer no teu peito... Feliz e realizada,
Despertar faminta e febril na madrugada...

Somos tu e eu, toda a beleza na nossa raça,
Desafiando, sem temor, toda a maldade nefasta.
Guerreando contra toda a injusta causa...
Bebendo bondade e amor na mesma taça!...

Marilena Trujillo